quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Quem paga um aumento de imposto?


Por Thiago Caldeira

Em 21 de julho de 2017, o governo decidiu aumentar em R$0,41 por litro a tributação sobre a gasolina. Quem vai acabar pagando por esse tributo? O vendedor ou o consumidor?

Quem se apropriou da desoneração da folha de salários (redução de tributos) feita há 3 anos? As empresas, os empregados ou o consumidor?

Quem se apropria de um subsídio (um “imposto negativo”) dado pelo governo para os empresários?
 

 Apesar das perguntas acima serem básicas para um economista bem formado, percebe-se que o público leigo e, em especial, o universo de operadores do Direito, encontram dificuldades em desenvolver o raciocínio.

Grosso modo, podemos descrever algumas conclusões da literatura microeconômica:

1: A distribuição dos efeitos de um aumento ou redução de tributo não tem nenhuma relação com quem a lei atribuiu como responsável pelo recolhimento do tributo (ou seja, com o chamado “contribuinte de direito”). Por exemplo, no caso de um novo tributo sobre aluguel de imóvel, seria irrelevante para a distribuição do peso tributário saber se o responsável por recolher o dinheiro ao fisco é o locador ou o locatário.

2: Em mercados competitivos, o ônus da incidência tributária recai mais fortemente sobre o lado mais inelástico do mercado. Ou seja, quanto maior a sensibilidade do agente à variação dos preços, menos sofrerá o peso do tributo. Caso a elasticidade preço da oferta (vendedor) seja igual à elasticidade preço da demanda (comprador), o peso do tributo será repartido igualmente entre o vendedor e o comprador[1].

Por elasticidade, entende-se o quantidade percentual de variação na demanda (ou oferta) em razão de certa quantidade percentual de variação no preço. A elasticidade da demanda regra geral é negativa, de forma que quanto maior o preço, menor a quantidade demandada pelo produto. Assim, uma elasticidade preço da demanda de -0,6, por exemplo, significa que o aumento do preço do produto em 10% leva a uma redução da demanda por este produto em 6%.

Já a elasticidade preço da oferta tem valor positivo, dado que, quanto maior o preço do produto, maior será a disposição dos vendedores em oferecer produtos à venda. Para saber exatamente o valor das elasticidades de oferta e demanda de cada produto, há que se levantar muitos dados e realizar cálculos estatísticos.


No exemplo 2.5 do cap. 2 do tradicional livro “Microeconomia” de Pindyck e Rubinfeld (5º ed), consta que a elasticidade preço da demanda por gasolina nos EUA na década de 70, apesar de muito baixa no curto prazo (primeiro e segundo anos após o aumento dos preços), cresce continuamente e torna-se relevante com o passar dos anos.

Isso se explica porque os consumidores têm dificuldade em substituir, no curto prazo, o uso de automóveis ou mudar os hábitos para consumir menos gasolina. Com o passar dos anos, a redução no consumo de combustível em razão do aumento de preços se intensifica (daí a elasticidade de longo prazo ser maior que a de curto). Exemplos para isso é o consumidor buscar um carro mais eficiente no consumo, viajar menos de carro, se mudar para uma residência mais perto do trabalho, etc. Tais decisões não são tomadas de um dia para o outro.

No capítulo em que analisa o efeito de um tributo sobre a gasolina no equilíbrio de mercado (cap. 9), os autores utilizam as elasticidades do mercado de combustíveis nos EUA, calculado em estudos paralelos, considerando um valor de -0,5 para a elasticidade da demanda para a gasolina (elasticidade de prazo intermediário, de 5 anos). Nesse sentido, se o preço da gasolina sobe 1%, a demanda por gasolina reduz em 0,5%. Sem maiores detalhes, os autores consideram uma elasticidade preço da oferta de 0,4.

A partir dessas elasticidades, os autores estimam que o aumento de tributos de 50 centavos de dólar no preço da gasolina (que custava 1 dólar na época) teria o seguinte impacto: i) os vendedores receberiam pela venda da gasolina (líquido do tributo) 0,28 centavos a menos; ii) os consumidores pagariam a gasolina com um preço 0,22 centavos mais caro; iii) a quantidade vendida de gasolina reduziria em 11%, gerando o “peso morto” (perdas do consumidor e do vendedor que não são apropriadas pelo governo).

Como regra geral a todos os tributos para todos os produtos, podemos calcular a fração do imposto que recai sobre os consumidores pela seguinte fórmula (Pindyck; Rubinfeld. 2002, p. 315): 

Percentual que recai sobre os Consumidores= Eo/(Eo+Ed).
Em que:
Eo=Elasticidade da oferta.
Ed= Elasticidade da demanda (em valor absoluto)

Estudo publicado em evento da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia - ANPEC[2] em 2014 conclui que a gasolina no Brasil é um “bem inelástico em relação ao preço e à renda no curto prazo, porém com uma maior elasticidade no longo prazo”. Outros estudos consideram o valor mínimo da elasticidade-preço da demanda entre -0,48 e -0,781[3], quando fora da faixa próxima de substituição entre gasolina e etanol, para prazos não muito curtos. Porém, infelizmente não há muitas evidências sobre a elasticidade preço de oferta de gasolina no Brasil.

Para uma simulação de curtíssimo prazo (efeito do aumento do tributo sobre a gasolina nas semanas seguintes à majoração), há forte evidência de que grande parte do tributo é repassado para os compradores, tendo em vista que a elasticidade da demanda é muito baixa. Ou seja, mesmo com o aumento dos preços, o cidadão continua consumindo praticamente o mesmo volume de gasolina. 

Considerando a elasticidade preço da demanda da gasolina de menor prazo demonstrada no livro “Microeconomia”, de -0,1 (elasticidade no prazo de 1 ano), e tendo como base a elasticidade preço da oferta do mercado dos EUA (de 0,4), o cálculo para o caso brasileiro é que pelo menos 80% dos 41 centavos por litro de gasolina do tributo recém aumentado pelo governo será assumido pelo consumidor. 



[1] Em mercados não competitivos, há ampla possibilidade de resultados, inclusive com repasse para o consumidor em valor maior que o aumento do tributo. Para esses casos, ver http://www.nber.org/papers/w6667.pdf

[2]https://www.anpec.org.br/encontro/2014/submissao/files_I/i8-acfa1a7b20d29026ee0ee9ec9b04e17f.pdf

[3]http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032013000400005
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-63512010000300001
http://www.cepea.esalq.usp.br/br/documentos/texto/a-demanda-por-gasolina-no-brasil-uma-analise-utilizando-tecnicas-de-co-integracao-a-apresentado-no-congresso-de-economia-e-sociologia-rural-sober.aspx


Anterioridade e majoração de tributos sobre combustíveis

Por Thiago Caldeira
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No dia 21 de julho, foi publicado o Decreto 9101/2017, alterando outros decretos do Presidente República, no sentido de recompor as alíquotas das Contribuições Sociais previdenciárias PIS/PASEP e a COFINS sobre combustíveis. Operou-se um procedimento de “recomposição” da alíquota (definida em Lei) anteriormente reduzida também por Decreto.

Com o procedimento, o governo passou a cobrar as contribuições com alíquotas majoradas já no dia seguinte à publicação.

A Constituição Federal estabelece exaustivamente os casos em que os tributos não precisam respeitar a legalidade e anterioridade tributárias. A anterioridade é norma (e princípio) que protege o pagador de tributos de ser pego de surpresa com a criação ou aumento de tributos (assim como da retirada de benefício fiscal, segundo decisão recente do STF).

Aumento da alíquota de PIS/PASEP e Cofins (sobre combustíveis ou qualquer outro produto) não está na lista de exceções trazidas pela CF/88.

O argumento do governo de que a lei de instituição do PIS/PASEP e Cofins traria essa possibilidade, ao estabelecer uma alíquota teto e abrir a possibilidade de redução e aumento imediato por Decreto, é absurdo.

Se proceder o argumento, poderá enterrar todo o sistema de proteção tributária ao cidadão, pois bastaria que as leis de cada imposto fizessem essa previsão (a partir de uma alíquota teto alta). Por exemplo, um Município poderia estabelecer que alíquota do ISS é de 5% para todos os serviços, reduzindo o percentual para casos específicos por meio de Decreto e, quando convier ao chefe do Poder Executivo, majorar as alíquotas também por Decreto.

Quando a CF quis que isso fosse possível, o fez expressamente, como no caso da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre combustíveis (art. 177, parag. 4 da Carta Magna), em que se abre a possibilidade de a lei ordinária permitir variações na alíquota por Decreto. E mesmo nessa situação, seria possível não respeitar apenas a legalidade estrita (não necessitar de lei para majoração) e a anterioridade anual (não necessitar de virar o ano para se aplicar o aumento). Contudo, a anterioridade nonagesimal (90 dias) ainda assim se faria necessária, dado que a CF não excetua essa regra.

No litígio judicial que se abriu com a publicação do referido Decreto, com o deferimento de liminar impedindo os efeitos do Decreto e, posteriormente, em recurso perante o Tribunal Regional Federal, suspensão da decisão do juiz de primeira instância[1], a Advocacia da União argumenta pela necessidade de recursos para as contas públicas, ao que o Presidente do TRF se solidariza com o “exacerbado desequilíbrio orçamentário”.

Caberá ao STF lembrar ao governo e aos magistrados que a Constituição Federal continua vigorando em tempos de desequilíbrio fiscal.




[1]http://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/comunicacao-social/imprensa/noticias/decisao-decisao-que-impediu-elevacao-das-aliquotas-da-pis-cofins-dos-combustiveis-e-suspensa-pelo-trf1.htm

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Externalidades e Políticas Públicas: como justificar qualquer gasto público com um argumento fofo

Por Thiago Caldeira


Nos livros de teoria econômica, o conceito de externalidade é definido como o efeito provocado pela ação de um indivíduo/entidade que afeta pessoas não diretamente relacionadas àquela ação. Ocorre uma externalidade quando há consequências para uma terceira pessoa que não são levadas em consideração por quem toma a decisão.

Haveria externalidade positiva quando o efeito é benéfico e haveria externalidade negativa quando gera prejuízo a uma terceira pessoa. Exemplo clássico da externalidade negativa seria uma fábrica que lança resíduos químicos em um rio e, a quilômetros de distância, um pescador tem sua atividade prejudicada. Exemplo clássico de externalidade positiva seria a atividade de apicultura, quando as abelhas polinizam as árvores frutíferas da chácara vizinha.


Externalidade positiva, infelizmente, é a expressão abstrata utilizada pelas pessoas fofas, boazinhas e supostamente preocupadas com o bem comum, para justificar políticas públicas de custos bastante evidentes, mas de benefícios totalmente desconhecidos.

A prática é reforçada pelo fato de que não há no Brasil o costume de avaliar os custos e benefícios dos gastos públicos, sendo que o orçamento de um ano muitas vezes apenas repete o que foi no ano anterior. Ademais, as políticas públicas são comumente paridas apenas a partir de boa vontade, de uma ideia com lindo discurso retórico, quando não claramente demagógico, como se o inferno não estivesse lotado de pessoas bem intencionadas.

Vejamos o caso do programa Ciência sem Fronteiras. O programa consiste no pagamento, pelo governo, de bolsas a estudantes do ensino superior (graduação ou pós) para que supostamente aperfeiçoem sua formação no exterior em instituições previamente cadastradas. No valor da bolsa estão assegurados o pagamento de passagem aérea, seguro saúde, matrículas e auxílios diversos. Em 2015, o custo do programa somará R$3,5 bilhões, resultando no valor aproximado de R$ 60.000,00 anuais por aluno. Para efeito de comparação: o custo anual por aluno nas universidades públicas brasileiras é de R$22.000, e no ensino médio é de R$5.500 reais.

Como justificar os gastos no programa Ciência sem Fronteiras? Resposta muito ouvida nas rodas de buteco: externalidades positivas a serem geradas pelos estudantes que estão no exterior. A ideia é linda: os estudantes ganharão massa crítica nas melhores universidades do exterior, voltarão para o Brasil e farão pesquisa científica, que gerará evolução tecnológica, ganhos de produtividade, empregos e riqueza ao país. A pesquisa científica que essas pessoas supostamente irão realizar no Brasil, mesmo que no interesse puramente privado, transbordará benefícios para a coletivamente.

Observe que não há qualquer garantia para a sociedade de que isso seja realizado, não há qualquer cálculo de custo/benefício e não há maiores detalhes sobre qual a evolução científica e como ela resultará em benefício para a sociedade como um todo. Basta falar em externalidade positiva e o assalto ao bolso do pagador de impostos está justificado.

Constatado que os benefícios são incertos e sabendo que os custos são bastante conhecidos, o que por si só já seria suficiente para colocar o Ciência sem Fronteiras sob análise, vejamos a seguir que há outros custos para a sociedade que devem ser considerados:
  1. o poder público tributará os cidadãos, os pobres inclusive, para pagar o custo de  alunos estudarem ensino superior no exterior;
  2. como não há nenhum limite para aluno com elevada renda familiar participar do programa e tendo em vista que os mais pobres muitas vezes não têm acesso ao ensino superior, resta que o programa criado pelo governo gera desigualdade de renda. Tal conclusão resulta de uma dedução lógica a partir dos fatos que a realidade demonstra.
O uso infeliz do conceito de externalidade positiva também é aplicado para políticas públicas como subsídios nos empréstimos do BNDES, gastos públicos com eventos culturais por meio da Lei Rouanet (supostos benefícios do sentimento de “identidade cultural e civilismo”), entre outros. Os discursos são sempre bonitos, mas a verdade é que os custos são bem conhecidos e os benefícios são um enorme chute. 

quinta-feira, 19 de março de 2015

A regulamentação do pacto de permanência como alternativa para a qualificação da mão de obra nacional


Por Jamir Calili, 32 anos, doutor em Direito pela PUC/Minas, mestre em Administração Pública pela FJP, professor da UFJF/Campus de Governador Valadares e Presidente do PHS Municipal.

Não é novidade para ninguém que um dos problemas brasileiros seja a qualificação da mão de obra. A produtividade fica comprometida não só pela inoperante burocracia estatal, mas pela mão de obra pouco qualificada que está disponível para o mercado.

Há diversos postos de trabalho para os quais faltam pessoas qualificadas para exercer funções que exijam habilidades específicas. Algumas dessas habilidades sequer requerem estudos mais densos como os ofertados pelas universidades. Um bom exemplo é a habilitação de secretária para pequenos escritórios, uma função que agregaria valor aos profissionais liberais, mas escassa no mercado.

Há uma exagerada dependência da formação promovida pelo Estado, o qual muitas vezes prioriza a formação em massa e teórica, como o PRONATEC, em detrimento das necessidades locais e práticas. Esse problema se torna ainda maior nas cidades do interior brasileiro, onde muitas vezes os custos econômicos da formação de poucos funcionários inviabilizam os investimentos. Nesses locais, a prestação de serviços é precária, comprometendo qualquer tentativa de melhoria da qualidade de vida e profissional.

Uma alternativa é a regulamentação dos chamados pactos de permanência, contratos de trabalho que permitem ao empregador bancar a formação do empregado em troca de sua fidelização. Atualmente, a jurisprudência dos tribunais ainda é dúbia e há dúvidas acerca do prazo de exigência de permanência. Os empregadores ficam desestimulados, uma vez que há o risco de qualificar o seu funcionário para pouco tempo depois este ser contratado por outro empregador que nenhum investimento fez. Esses pactos já são amplamente conhecidos e realizados pelos setores públicos.

A regulamentação do pacto de permanência pela legislação trabalhista daria estabilidade para os contratos de trabalho e estimularia a sua realização, fazendo com que o mercado privado cooperasse com o governo na promoção da qualificação da mão de obra e na elevação dos índices de escolaridade da população. Haveria inúmeras vantagens para a melhoria dos serviços prestados para a população em geral e para melhoria do comércio brasileiro.

É claro que esses pactos não poderiam prever tempo de permanência absurdamente elevados, tornando-se como pactos de escravidão. Por isso uma boa legislação deveria contemplar um tempo de duração do pacto de permanência, levando em conta o valor despendido pelo empregador em benefício da qualificação do empregado, de forma a contemplar, também, cursos de curta duração e de alto investimento. Além disso, devem ser realizados de maneira voluntária, ou  seja, também no interesse do empregado. O dever de permanência deveria se iniciar após a conclusão da integral qualificação, assegurando ao empregador o cumprimento do contrato através do estabelecimento de indenização que pudesse incidir sobre as verbas trabalhistas e sobre o FGTS e ao empregado critérios de ajustamento salarial que levasse em conta o valor que passaria a agregar aos serviços prestados. No caso de demissão sem justa causa, o pacto se resolveria a favor do empregado.

Por óbvio que os pactos de permanência não devem ser considerados a panaceia da qualificação, mas um alternativa. O que se espera é que seja realizado um debate com a comunidade brasileira, debate esse importante para o desenvolvimento do mercado de trabalho. Espera-se, também, que o debate não se paute somente por questões ideológicas que muitas vezes são contaminados por preconceitos e argumentos que não sobrevivem à razão econômica.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Privatizações na distribuição de energia elétrica, um bom caminho



O nosso colunista
Thiago Costa publicou, na Folha de São Paulo, no último dia 16 de janeiro de 2015, texto de opinião com o título: "Privatizações na distribuição de energia elétrica, um bom caminho".

O texto é fruto dos seus estudos e pesquisas durante o seu mestrado em Regulação (Economia) na UNB e da sua experiência na função de especialista em regulação de serviços públicos da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel.



" (...) Com base na experiência histórica e no confronto dos dados, a diminuição da participação estatal teria as seguintes consequências: maior eficiência e lucratividade; maior volume de investimentos e execução de programas sociais como Luz Para Todos; melhoria da qualidade do serviço; e diminuição da tarifa cobrada. (...)". Para continuar a ler, clique aqui.

Federação em Risco

O nosso colunista Jamir Calili publicou, na Folha de São Paulo, no dia 20 de outubro de 2014, texto de opinião com o título: "Federação em Risco".

O texto é fruto dos seus estudos e pesquisas durante o seu mestrado em Administração Pública e Políticas Sociais na Fundação João Pinheiro.


"(...) De alguma forma vivemos isso em relação à nossa federação. As propostas dos candidatos à presidente, ao longo da última década, demonstram que, sem que possamos perceber, estamos favorecendo a centralização do poder no Brasil (...) ". Para continuar a ler, clique aqui.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Contabilidade Criativa e o Superávit Imaginário do Governo Federal

Por Ahmed El Khatib






A “Essência Sobre a Forma”, embora não considerada explicitamente como Princípio Fundamental da Contabilidade, à luz da Resolução Nº 1.282/10, exerce uma importante influência no modo de se “fazer” contabilidade, sobretudo com o advento e aplicação no Brasil das International Financial Reporting Standards (IFRS) ou Normas Internacionais de Contabilidade. Tal influência vai ao encontro da maior subjetividade trazida por esse novo padrão contábil. A flexibilidade na escolha dos critérios contábeis, as lacunas jurídicas e as ambiguidades existentes nas leis e normas contábeis fazem com que a prática da contabilidade criativa, cada vez mais frequente, seja a melhor forma de se atingir o resultado patrimonial desejado pelos manipuladores de balanços patrimoniais.

Entende-se por Contabilidade Criativa um fenômeno contábil, nascido na década de 80 e com forte origem Anglo-Saxônica, que se desenvolveu e foi aperfeiçoada no Brasil. Consiste, basicamente, na produção de informações diferenciadas e desejadas a partir de ambiguidades existentes nas normas de contabilidade. Diante disso, o uso da contabilidade criativa permite com que se distorça um resultado real e se atinja um resultado fictício, de acordo com os interesses e os objetivos de quem se utiliza dos resultados da prática. Para que se alcancem tais objetivos, são utilizados mecanismos fundamentados na legislação, já que as leis não são suficientemente claras e permitem tais manobras.

O Brasil ficou conhecido nos últimos meses, sobretudo nos meses de novembro e dezembro de 2014, por aplicar fortemente a contabilidade pública criativa, com a finalidade de dar cumprimento à meta fiscal de superávit primário do governo federal.  Visando o equilíbrio das contas públicas, o regime fiscal brasileiro adota a política do superávit primário, para o qual são estabelecidas, anualmente, as metas de resultado, por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). 

Formalmente, o governo federal tem atingido as metas estabelecidas na LDO, o que demonstra a aplicação correta e equilibrada de sua política fiscal. No entanto, ao analisarmos as contas públicas com mais rigor, perceberemos que o governo federal vem se utilizando, de modo mais frequente e explícito, de ajustes contábeis para alcançar tais resultados positivos com o reconhecimento, por exemplo, de receitas consideradas atípicas ou extraordinárias em seus resultados ou com a postergação do pagamento de despesas, por meio de sua inscrição em restos a pagar.

Através da última manobra citada acima, o governo posterga parte das despesas de um ano ou exercício para o subsequente, o que acarreta numa série de problemas para a execução do seu orçamento  implica em dificuldades para o fechamento das contas do governo.

Um sistema contábil, seja ele societário ou governamental, está calcado em padrões consistentes e confiáveis, que refletem a realidade ou essência econômica das transações de forma a evidenciar seus impactos no patrimônio. Entretanto, por não termos sistemas, atualmente baseados na forma jurídica, existem brechas que são utilizadas criativamente pelo governo federal.

Se nos basearmos no que diz o Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público (MCASP) de 2014, notaremos que a dívida pública tem origem tanto interna quanto externa e é composta de todos os passivos que exigem o pagamento de juros e/ou do principal pelo devedor ao credor em data acordada. A meta para o superávit primário surgiu da necessidade do governo de arrecadar mais do que gasta, desconsiderando nesse resultado o pagamento de juros e correção monetária da dívida pública, uma vez que não fazem parte da natureza operacional do governo e são reflexos financeiros de déficits ocorridos no passado. 

Desta forma, ao destinar parte do orçamento público para o pagamento da dívida, com o objetivo de demonstrar maior capacidade de cumprir com seus compromissos financeiros e se tornar mais confiável perante seus credores e investidores internacionais, o superávit primário torna-se mais um indicador de política fiscal. Como dito anteriormente, a meta anual a ser alcançada é fixada pela LDO, por meio do Anexo de Metas Fiscais.  O superávit primário pode ser calculado a partir de duas metodologias: “acima da linha”, que corresponde à diferença entre as receitas e as despesas do setor público; e “abaixo da linha”, que corresponde à variação da dívida líquida total, interna e externa, nesse último caso, o cálculo parte dos saldos de dívida pública para obter as necessidades de financiamentos.

Na medida em que o resultado positivo só pode ser obtido pela superioridade das receitas em relação às despesas, por óbvio a sustentabilidade das contas públicas impõe a diminuição das despesas ou aumento das receitas, e não somente “manobrar” a postergação contábil (criativa) das despesas com o aumento de suas inscrições em restos a pagar, como observado, se beneficiando do regime contábil de competência em detrimento ao efetivo desembolso de caixa.

Considerando a importância da política fiscal na administração da política econômica, uma vez que as ações do governo para administrar seus níveis de arrecadação e de gastos afetam e são afetadas pela conjuntura econômica, deve-se ponderar sobre o impacto que procedimentos criativos podem causar na credibilidade das finanças públicas. Dessa forma, o debate deve ser acrescido pela busca, por parte do Estado, de alternativas voltadas à melhoria contínua do caráter do ajuste fiscal brasileiro e não um “mero ajuste contábil”.


quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O FAMIGERADO DECRETO 8.243/2014 - UMA ANÁLISE ECONÔMICA

Por Fabrício Costa




Premissas

Não serão apresentados argumentos interpretativos das normas constitucionais vigentes na análise crítica do Decreto 8.243/2014, tais como o “a democracia no Brasil é representativa”, “todo poder emana do povo”, etc. Também não serão apresentados argumentos, de certa forma rasos, como “o decreto tem caráter bolchevique, golpista, bolivariano”, “o decreto só regulamenta uma situação de fato”, etc. O presente texto é construído através de uma análise econômico-social para tentar atingir uma conclusão sobre as finalidades do Decreto e se realmente permitirá a participação popular irrestrita.

Síntese do Decreto 8.243/2014

Primeiramente, quais as finalidades da instituição de uma Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social?

O objetivo inicial é organizar a relação entre Ministérios e repartições federais com as diversas instâncias de participação popular, como os conselhos permanentes de políticas públicas, ou conselhos periódicos.

O Decreto não cria novos conselhos, mas fixa parâmetros para a reorganização dos conselhos já existentes e para a criação de novos conselhos, nos termos do seu art. 10:

Art.10.  Ressalvado o disposto em lei, na constituição de novos conselhos de políticas públicas e na reorganização dos já constituídos devem ser observadas, no mínimo, as seguintes diretrizes:
I - presença de representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil, preferencialmente de forma paritária em relação aos representantes governamentais, quando a natureza da representação o recomendar;
II - definição, com consulta prévia à sociedade civil, de suas atribuições, competências e natureza;
III - garantia da diversidade entre os representantes da sociedade civil;
IV - estabelecimento de critérios transparentes de escolha de seus membros;
V - rotatividade dos representantes da sociedade civil;
VI - compromisso com o acompanhamento dos processos conferenciais relativos ao tema de sua competência; e
VII - publicidade de seus atos.

Como se pode observar, exigem-se parâmetros próprios para novos conselhos e reorganização dos já existentes, com atenção aos critérios eleição de representantes e definição de suas atribuições, competências e natureza mediante consulta prévia à sociedade.

A Lógica da Ação Coletiva, de Mancur Olson

Na obra “A Lógica da Ação Coletiva”, do autor Mancur Olson, tem-se como objetivo explicar o comportamento de indivíduos racionais que se associam para a obtenção de algum benefício coletivo.

Balizado nas Ciências Econômicas, e tendo em vista conceitos primários como o custo de oportunidade e o utilitarismo, toma-se como premissa que indivíduos racionais que têm como objetivo a obtenção de benefícios coletivos sempre esperam a conversão dos benefícios coletivos em vantagens individuais. Essa é uma dinâmica indiscutível.

Na obra de Mancur Olson, comprova-se que a decisão de todo indivíduo racional sobre se irá ou não contribuir para a obtenção do benefício coletivo depende se os custos da ação forem inferiores aos benefícios alcançados. Exemplo prático é a filiação em um sindicato: caso o sindicato obtenha o benefício a toda a sorte de trabalhadores daquele setor, independente da filiação, o indivíduo não possui incentivos para arcar com custos de filiação e agirá como um “free-rider” (comportamento carona). Isso, claro, se não houver outras formas de coerção como, por exemplo, constrangimento social.

Através de cálculos, Olson argumenta que grupos menores tendem a ter maior adesão de seus membros, e isso se dá por vários fatores, entre os quais ao fato de o benefício ser dividido por um número igualmente reduzido de participantes, sendo o benefício recebido significativo a cada membro. Para o autor, grupos grandes são mais susceptíveis a não atingirem seus objetivos, isso se dá por ser o benefício diluído a tal ponto que os custos da participação se excedem aos benefícios alcançados, desestimulando o indivíduo.

Questões que surgem a partir do Decreto 8.243/2014 em comparação com suas finalidades

  • Fixadas essas premissas, o Decreto 8.243/2014 permitirá a participação popular na atividade executiva?


A resposta é negativa. Grupos de interesse se formarão para viabilizar maior participação perante a administração pública federal. Quanto menores os grupos, maiores os benefícios “per capita” obtidos.

Aqueles indivíduos que pretenderem obter benefícios com o menor custo possível, não se associarão ou criarão novos conselhos, aguardando no conforto de seus lares os benefícios advindos da atuação ativa dos pequenos grupos (aplicação do custo de oportunidade).

Dessa forma, os lobbies de pequenos grupos serão a verdadeira participação, o que já ocorre no presente momento.

  • Caso os antigos ou novos conselhos não cumpram os parâmetros exigidos no art. 10 do Decreto 8.243/2014, serão aceitos como válidas a sua formação, participação ou opinião perante a administração pública federal?


Provavelmente os conselhos que não cumpram os desígnios do art. 10 do Decreto 8.243/2014 não poderão atuar perante a administração pública federal, em que pese isso não estar regulamentado na referida norma. A pretensão do Decreto de participação popular ampla e irrestrita não poderá imiscuir em critérios que tornam válidos ou não a formação dos conselhos.

Trata-se de paradoxo no Decreto que o torna incompatível com suas pretensões.

  •  Poderá o Governo Federal privilegiar algum(ns) conselhos em detrimento de outros?


Trata-se de hipótese presente no Decreto 8.243/2014. Um dos métodos é criação de parcerias com a administração pública, com previsão de transferência de recursos financeiros públicos para conselhos (§§ 4º e 5º, art. 10), sem clarificar a forma de acesso a recursos.

Ademais, as mesas de diálogo terão diretrizes de participação das chamadas “partes afetadas”, sem definir o que seriam “partes afetadas”. De forma discricionária, em uma discussão pública poderá algum conselho ser impedido de participar e se manifestar por não ser considerada “parte afetada”? O Decreto 8.243/2014 não esclarece.

Tratando-se de temáticas públicas, “partes afetadas” é toda a população. A norma limita a participação popular e novamente constitui paradoxo.

Conclusão

O Decreto 8.243/2014, com pretensões de regular a participação popular, define, fixa critérios e regramentos específicos. Ao normatizar um ato político puro, e o faz mediante a linguagem, carrega o texto com signos e significantes contextualizados nos interesses do regulamentador.


Se a participação popular é pressuposto de uma democracia, e deve ser livre, a administração pública, ao fixar critérios e definições, exclui, necessariamente, a grande parcela da população que não cumpre com os desígnios normativos, impossibilitando de apresentar suas pretensões tão válidas quanto a de qualquer conselho. Há na norma, portanto, uma clara limitação da efetiva participação popular privilegiando pequenos grupos que, em razão do “benefício x custo” se organizarão para constituírem lobbies e eliminação de seus “concorrentes”. Coerente sua eliminação do mundo jurídico conforme realizado há pouco pela Câmara dos Deputados, sendo indiferente a análise ora realizada quanto as justificativas utilizadas pela referida casa do Poder Legislativo.