quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Quem paga um aumento de imposto?


Por Thiago Caldeira

Em 21 de julho de 2017, o governo decidiu aumentar em R$0,41 por litro a tributação sobre a gasolina. Quem vai acabar pagando por esse tributo? O vendedor ou o consumidor?

Quem se apropriou da desoneração da folha de salários (redução de tributos) feita há 3 anos? As empresas, os empregados ou o consumidor?

Quem se apropria de um subsídio (um “imposto negativo”) dado pelo governo para os empresários?
 

 Apesar das perguntas acima serem básicas para um economista bem formado, percebe-se que o público leigo e, em especial, o universo de operadores do Direito, encontram dificuldades em desenvolver o raciocínio.

Grosso modo, podemos descrever algumas conclusões da literatura microeconômica:

1: A distribuição dos efeitos de um aumento ou redução de tributo não tem nenhuma relação com quem a lei atribuiu como responsável pelo recolhimento do tributo (ou seja, com o chamado “contribuinte de direito”). Por exemplo, no caso de um novo tributo sobre aluguel de imóvel, seria irrelevante para a distribuição do peso tributário saber se o responsável por recolher o dinheiro ao fisco é o locador ou o locatário.

2: Em mercados competitivos, o ônus da incidência tributária recai mais fortemente sobre o lado mais inelástico do mercado. Ou seja, quanto maior a sensibilidade do agente à variação dos preços, menos sofrerá o peso do tributo. Caso a elasticidade preço da oferta (vendedor) seja igual à elasticidade preço da demanda (comprador), o peso do tributo será repartido igualmente entre o vendedor e o comprador[1].

Por elasticidade, entende-se o quantidade percentual de variação na demanda (ou oferta) em razão de certa quantidade percentual de variação no preço. A elasticidade da demanda regra geral é negativa, de forma que quanto maior o preço, menor a quantidade demandada pelo produto. Assim, uma elasticidade preço da demanda de -0,6, por exemplo, significa que o aumento do preço do produto em 10% leva a uma redução da demanda por este produto em 6%.

Já a elasticidade preço da oferta tem valor positivo, dado que, quanto maior o preço do produto, maior será a disposição dos vendedores em oferecer produtos à venda. Para saber exatamente o valor das elasticidades de oferta e demanda de cada produto, há que se levantar muitos dados e realizar cálculos estatísticos.


No exemplo 2.5 do cap. 2 do tradicional livro “Microeconomia” de Pindyck e Rubinfeld (5º ed), consta que a elasticidade preço da demanda por gasolina nos EUA na década de 70, apesar de muito baixa no curto prazo (primeiro e segundo anos após o aumento dos preços), cresce continuamente e torna-se relevante com o passar dos anos.

Isso se explica porque os consumidores têm dificuldade em substituir, no curto prazo, o uso de automóveis ou mudar os hábitos para consumir menos gasolina. Com o passar dos anos, a redução no consumo de combustível em razão do aumento de preços se intensifica (daí a elasticidade de longo prazo ser maior que a de curto). Exemplos para isso é o consumidor buscar um carro mais eficiente no consumo, viajar menos de carro, se mudar para uma residência mais perto do trabalho, etc. Tais decisões não são tomadas de um dia para o outro.

No capítulo em que analisa o efeito de um tributo sobre a gasolina no equilíbrio de mercado (cap. 9), os autores utilizam as elasticidades do mercado de combustíveis nos EUA, calculado em estudos paralelos, considerando um valor de -0,5 para a elasticidade da demanda para a gasolina (elasticidade de prazo intermediário, de 5 anos). Nesse sentido, se o preço da gasolina sobe 1%, a demanda por gasolina reduz em 0,5%. Sem maiores detalhes, os autores consideram uma elasticidade preço da oferta de 0,4.

A partir dessas elasticidades, os autores estimam que o aumento de tributos de 50 centavos de dólar no preço da gasolina (que custava 1 dólar na época) teria o seguinte impacto: i) os vendedores receberiam pela venda da gasolina (líquido do tributo) 0,28 centavos a menos; ii) os consumidores pagariam a gasolina com um preço 0,22 centavos mais caro; iii) a quantidade vendida de gasolina reduziria em 11%, gerando o “peso morto” (perdas do consumidor e do vendedor que não são apropriadas pelo governo).

Como regra geral a todos os tributos para todos os produtos, podemos calcular a fração do imposto que recai sobre os consumidores pela seguinte fórmula (Pindyck; Rubinfeld. 2002, p. 315): 

Percentual que recai sobre os Consumidores= Eo/(Eo+Ed).
Em que:
Eo=Elasticidade da oferta.
Ed= Elasticidade da demanda (em valor absoluto)

Estudo publicado em evento da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia - ANPEC[2] em 2014 conclui que a gasolina no Brasil é um “bem inelástico em relação ao preço e à renda no curto prazo, porém com uma maior elasticidade no longo prazo”. Outros estudos consideram o valor mínimo da elasticidade-preço da demanda entre -0,48 e -0,781[3], quando fora da faixa próxima de substituição entre gasolina e etanol, para prazos não muito curtos. Porém, infelizmente não há muitas evidências sobre a elasticidade preço de oferta de gasolina no Brasil.

Para uma simulação de curtíssimo prazo (efeito do aumento do tributo sobre a gasolina nas semanas seguintes à majoração), há forte evidência de que grande parte do tributo é repassado para os compradores, tendo em vista que a elasticidade da demanda é muito baixa. Ou seja, mesmo com o aumento dos preços, o cidadão continua consumindo praticamente o mesmo volume de gasolina. 

Considerando a elasticidade preço da demanda da gasolina de menor prazo demonstrada no livro “Microeconomia”, de -0,1 (elasticidade no prazo de 1 ano), e tendo como base a elasticidade preço da oferta do mercado dos EUA (de 0,4), o cálculo para o caso brasileiro é que pelo menos 80% dos 41 centavos por litro de gasolina do tributo recém aumentado pelo governo será assumido pelo consumidor. 



[1] Em mercados não competitivos, há ampla possibilidade de resultados, inclusive com repasse para o consumidor em valor maior que o aumento do tributo. Para esses casos, ver http://www.nber.org/papers/w6667.pdf

[2]https://www.anpec.org.br/encontro/2014/submissao/files_I/i8-acfa1a7b20d29026ee0ee9ec9b04e17f.pdf

[3]http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032013000400005
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-63512010000300001
http://www.cepea.esalq.usp.br/br/documentos/texto/a-demanda-por-gasolina-no-brasil-uma-analise-utilizando-tecnicas-de-co-integracao-a-apresentado-no-congresso-de-economia-e-sociologia-rural-sober.aspx


Nenhum comentário:

Postar um comentário