Por Ahmed El Khatib
Entende-se
por Contabilidade Criativa um fenômeno contábil, nascido na década de 80 e com
forte origem Anglo-Saxônica, que se desenvolveu e foi aperfeiçoada no Brasil.
Consiste, basicamente, na produção de informações diferenciadas e desejadas a
partir de ambiguidades existentes nas normas de contabilidade. Diante disso, o
uso da contabilidade criativa permite com que se distorça um resultado real e
se atinja um resultado fictício, de acordo com os interesses e os objetivos de
quem se utiliza dos resultados da prática. Para que se alcancem tais objetivos,
são utilizados mecanismos fundamentados na legislação, já que as leis não são
suficientemente claras e permitem tais manobras.
O
Brasil ficou conhecido nos últimos meses, sobretudo nos meses de novembro e
dezembro de 2014, por aplicar fortemente a contabilidade pública criativa, com
a finalidade de dar cumprimento à meta fiscal de superávit primário do governo
federal. Visando o equilíbrio das contas
públicas, o regime fiscal brasileiro adota a política do superávit primário,
para o qual são estabelecidas, anualmente, as metas de resultado, por meio da
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Formalmente,
o governo federal tem atingido as metas estabelecidas na LDO, o que demonstra a
aplicação correta e equilibrada de sua política fiscal. No entanto, ao
analisarmos as contas públicas com mais rigor, perceberemos que o governo
federal vem se utilizando, de modo mais frequente e explícito, de ajustes
contábeis para alcançar tais resultados positivos com o reconhecimento, por
exemplo, de receitas consideradas atípicas ou extraordinárias em seus
resultados ou com a postergação do pagamento de despesas, por meio de sua
inscrição em restos a pagar.
Através
da última manobra citada acima, o governo posterga parte das despesas de um ano
ou exercício para o subsequente, o que acarreta numa série de problemas para a
execução do seu orçamento implica em
dificuldades para o fechamento das contas do governo.
Um
sistema contábil, seja ele societário ou governamental, está calcado em padrões
consistentes e confiáveis, que refletem a realidade ou essência econômica das
transações de forma a evidenciar seus impactos no patrimônio. Entretanto, por
não termos sistemas, atualmente baseados na forma jurídica, existem brechas que
são utilizadas criativamente pelo governo federal.
Se
nos basearmos no que diz o Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público
(MCASP) de 2014, notaremos que a dívida pública tem origem tanto interna quanto
externa e é composta de todos os passivos que exigem o pagamento de juros e/ou
do principal pelo devedor ao credor em data acordada. A meta para o superávit
primário surgiu da necessidade do governo de arrecadar mais do que gasta,
desconsiderando nesse resultado o pagamento de juros e correção monetária da
dívida pública, uma vez que não fazem parte da natureza operacional do governo
e são reflexos financeiros de déficits ocorridos no passado.
Desta
forma, ao destinar parte do orçamento público para o pagamento da dívida, com o
objetivo de demonstrar maior capacidade de cumprir com seus compromissos
financeiros e se tornar mais confiável perante seus credores e investidores
internacionais, o superávit primário torna-se mais um indicador de política
fiscal. Como dito anteriormente, a meta anual a ser alcançada é fixada pela
LDO, por meio do Anexo de Metas Fiscais.
O superávit primário pode ser calculado a partir de duas metodologias:
“acima da linha”, que corresponde à diferença entre as receitas e as despesas
do setor público; e “abaixo da linha”, que corresponde à variação da dívida
líquida total, interna e externa, nesse último caso, o cálculo parte dos saldos
de dívida pública para obter as necessidades de financiamentos.
Na
medida em que o resultado positivo só pode ser obtido pela superioridade das
receitas em relação às despesas, por óbvio a sustentabilidade das contas
públicas impõe a diminuição das despesas ou aumento das receitas, e não somente
“manobrar” a postergação contábil (criativa) das despesas com o aumento de suas
inscrições em restos a pagar, como observado, se beneficiando do regime
contábil de competência em detrimento ao efetivo desembolso de caixa.
Considerando
a importância da política fiscal na administração da política econômica, uma
vez que as ações do governo para administrar seus níveis de arrecadação e de
gastos afetam e são afetadas pela conjuntura econômica, deve-se ponderar sobre
o impacto que procedimentos criativos podem causar na credibilidade das
finanças públicas. Dessa forma, o debate deve ser acrescido pela busca, por
parte do Estado, de alternativas voltadas à melhoria contínua do caráter do
ajuste fiscal brasileiro e não um “mero ajuste contábil”.
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