quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O FAMIGERADO DECRETO 8.243/2014 - UMA ANÁLISE ECONÔMICA

Por Fabrício Costa




Premissas

Não serão apresentados argumentos interpretativos das normas constitucionais vigentes na análise crítica do Decreto 8.243/2014, tais como o “a democracia no Brasil é representativa”, “todo poder emana do povo”, etc. Também não serão apresentados argumentos, de certa forma rasos, como “o decreto tem caráter bolchevique, golpista, bolivariano”, “o decreto só regulamenta uma situação de fato”, etc. O presente texto é construído através de uma análise econômico-social para tentar atingir uma conclusão sobre as finalidades do Decreto e se realmente permitirá a participação popular irrestrita.

Síntese do Decreto 8.243/2014

Primeiramente, quais as finalidades da instituição de uma Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social?

O objetivo inicial é organizar a relação entre Ministérios e repartições federais com as diversas instâncias de participação popular, como os conselhos permanentes de políticas públicas, ou conselhos periódicos.

O Decreto não cria novos conselhos, mas fixa parâmetros para a reorganização dos conselhos já existentes e para a criação de novos conselhos, nos termos do seu art. 10:

Art.10.  Ressalvado o disposto em lei, na constituição de novos conselhos de políticas públicas e na reorganização dos já constituídos devem ser observadas, no mínimo, as seguintes diretrizes:
I - presença de representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil, preferencialmente de forma paritária em relação aos representantes governamentais, quando a natureza da representação o recomendar;
II - definição, com consulta prévia à sociedade civil, de suas atribuições, competências e natureza;
III - garantia da diversidade entre os representantes da sociedade civil;
IV - estabelecimento de critérios transparentes de escolha de seus membros;
V - rotatividade dos representantes da sociedade civil;
VI - compromisso com o acompanhamento dos processos conferenciais relativos ao tema de sua competência; e
VII - publicidade de seus atos.

Como se pode observar, exigem-se parâmetros próprios para novos conselhos e reorganização dos já existentes, com atenção aos critérios eleição de representantes e definição de suas atribuições, competências e natureza mediante consulta prévia à sociedade.

A Lógica da Ação Coletiva, de Mancur Olson

Na obra “A Lógica da Ação Coletiva”, do autor Mancur Olson, tem-se como objetivo explicar o comportamento de indivíduos racionais que se associam para a obtenção de algum benefício coletivo.

Balizado nas Ciências Econômicas, e tendo em vista conceitos primários como o custo de oportunidade e o utilitarismo, toma-se como premissa que indivíduos racionais que têm como objetivo a obtenção de benefícios coletivos sempre esperam a conversão dos benefícios coletivos em vantagens individuais. Essa é uma dinâmica indiscutível.

Na obra de Mancur Olson, comprova-se que a decisão de todo indivíduo racional sobre se irá ou não contribuir para a obtenção do benefício coletivo depende se os custos da ação forem inferiores aos benefícios alcançados. Exemplo prático é a filiação em um sindicato: caso o sindicato obtenha o benefício a toda a sorte de trabalhadores daquele setor, independente da filiação, o indivíduo não possui incentivos para arcar com custos de filiação e agirá como um “free-rider” (comportamento carona). Isso, claro, se não houver outras formas de coerção como, por exemplo, constrangimento social.

Através de cálculos, Olson argumenta que grupos menores tendem a ter maior adesão de seus membros, e isso se dá por vários fatores, entre os quais ao fato de o benefício ser dividido por um número igualmente reduzido de participantes, sendo o benefício recebido significativo a cada membro. Para o autor, grupos grandes são mais susceptíveis a não atingirem seus objetivos, isso se dá por ser o benefício diluído a tal ponto que os custos da participação se excedem aos benefícios alcançados, desestimulando o indivíduo.

Questões que surgem a partir do Decreto 8.243/2014 em comparação com suas finalidades

  • Fixadas essas premissas, o Decreto 8.243/2014 permitirá a participação popular na atividade executiva?


A resposta é negativa. Grupos de interesse se formarão para viabilizar maior participação perante a administração pública federal. Quanto menores os grupos, maiores os benefícios “per capita” obtidos.

Aqueles indivíduos que pretenderem obter benefícios com o menor custo possível, não se associarão ou criarão novos conselhos, aguardando no conforto de seus lares os benefícios advindos da atuação ativa dos pequenos grupos (aplicação do custo de oportunidade).

Dessa forma, os lobbies de pequenos grupos serão a verdadeira participação, o que já ocorre no presente momento.

  • Caso os antigos ou novos conselhos não cumpram os parâmetros exigidos no art. 10 do Decreto 8.243/2014, serão aceitos como válidas a sua formação, participação ou opinião perante a administração pública federal?


Provavelmente os conselhos que não cumpram os desígnios do art. 10 do Decreto 8.243/2014 não poderão atuar perante a administração pública federal, em que pese isso não estar regulamentado na referida norma. A pretensão do Decreto de participação popular ampla e irrestrita não poderá imiscuir em critérios que tornam válidos ou não a formação dos conselhos.

Trata-se de paradoxo no Decreto que o torna incompatível com suas pretensões.

  •  Poderá o Governo Federal privilegiar algum(ns) conselhos em detrimento de outros?


Trata-se de hipótese presente no Decreto 8.243/2014. Um dos métodos é criação de parcerias com a administração pública, com previsão de transferência de recursos financeiros públicos para conselhos (§§ 4º e 5º, art. 10), sem clarificar a forma de acesso a recursos.

Ademais, as mesas de diálogo terão diretrizes de participação das chamadas “partes afetadas”, sem definir o que seriam “partes afetadas”. De forma discricionária, em uma discussão pública poderá algum conselho ser impedido de participar e se manifestar por não ser considerada “parte afetada”? O Decreto 8.243/2014 não esclarece.

Tratando-se de temáticas públicas, “partes afetadas” é toda a população. A norma limita a participação popular e novamente constitui paradoxo.

Conclusão

O Decreto 8.243/2014, com pretensões de regular a participação popular, define, fixa critérios e regramentos específicos. Ao normatizar um ato político puro, e o faz mediante a linguagem, carrega o texto com signos e significantes contextualizados nos interesses do regulamentador.


Se a participação popular é pressuposto de uma democracia, e deve ser livre, a administração pública, ao fixar critérios e definições, exclui, necessariamente, a grande parcela da população que não cumpre com os desígnios normativos, impossibilitando de apresentar suas pretensões tão válidas quanto a de qualquer conselho. Há na norma, portanto, uma clara limitação da efetiva participação popular privilegiando pequenos grupos que, em razão do “benefício x custo” se organizarão para constituírem lobbies e eliminação de seus “concorrentes”. Coerente sua eliminação do mundo jurídico conforme realizado há pouco pela Câmara dos Deputados, sendo indiferente a análise ora realizada quanto as justificativas utilizadas pela referida casa do Poder Legislativo.

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