Por Fabrício Costa
Premissas
Não serão apresentados argumentos interpretativos das
normas constitucionais vigentes na análise crítica do Decreto 8.243/2014, tais
como o “a democracia no Brasil é representativa”, “todo poder emana do povo”,
etc. Também não serão apresentados argumentos, de certa forma rasos, como “o
decreto tem caráter bolchevique, golpista, bolivariano”, “o decreto só
regulamenta uma situação de fato”, etc. O presente texto é construído através de
uma análise econômico-social para tentar atingir uma conclusão sobre as
finalidades do Decreto e se realmente permitirá a participação popular
irrestrita.
Síntese do
Decreto 8.243/2014
Primeiramente, quais as finalidades da instituição de
uma Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de
Participação Social?
O objetivo inicial é organizar a relação entre
Ministérios e repartições federais com as diversas instâncias de participação
popular, como os conselhos permanentes de políticas públicas, ou conselhos periódicos.
O Decreto não cria novos conselhos, mas fixa
parâmetros para a reorganização dos conselhos já existentes e para a criação de
novos conselhos, nos termos do seu art. 10:
Art.10. Ressalvado o disposto em
lei, na constituição de novos conselhos de políticas públicas e na
reorganização dos já constituídos devem ser observadas, no mínimo, as seguintes
diretrizes:
I - presença de representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil,
preferencialmente de forma paritária em relação aos representantes
governamentais, quando a natureza da representação o recomendar;
II - definição, com consulta prévia à sociedade civil, de suas
atribuições, competências e natureza;
III - garantia da diversidade entre os representantes da sociedade civil;
IV - estabelecimento de critérios transparentes de escolha de seus
membros;
V - rotatividade dos representantes da sociedade civil;
VI - compromisso com o acompanhamento dos processos conferenciais
relativos ao tema de sua competência; e
VII - publicidade de seus atos.
Como se pode observar, exigem-se parâmetros próprios
para novos conselhos e reorganização dos já existentes, com atenção aos
critérios eleição de representantes e definição de suas atribuições,
competências e natureza mediante consulta prévia à sociedade.
A Lógica da
Ação Coletiva, de Mancur Olson
Na obra “A Lógica da Ação Coletiva”, do autor Mancur
Olson, tem-se como objetivo explicar o comportamento de indivíduos racionais
que se associam para a obtenção de algum benefício coletivo.
Balizado nas Ciências Econômicas, e tendo em vista
conceitos primários como o custo de oportunidade e o utilitarismo, toma-se como
premissa que indivíduos racionais que têm como objetivo a obtenção de
benefícios coletivos sempre esperam a conversão dos benefícios coletivos em
vantagens individuais. Essa é uma dinâmica indiscutível.
Na obra de Mancur Olson, comprova-se que a decisão de
todo indivíduo racional sobre se irá ou não contribuir para a obtenção do
benefício coletivo depende se os custos da ação forem inferiores aos benefícios
alcançados. Exemplo prático é a filiação em um sindicato: caso o sindicato
obtenha o benefício a toda a sorte de trabalhadores daquele setor, independente
da filiação, o indivíduo não possui incentivos para arcar com custos de
filiação e agirá como um “free-rider” (comportamento carona). Isso, claro, se
não houver outras formas de coerção como, por exemplo, constrangimento social.
Através de cálculos, Olson argumenta que grupos
menores tendem a ter maior adesão de seus membros, e isso se dá por vários
fatores, entre os quais ao fato de o benefício ser dividido por um número
igualmente reduzido de participantes, sendo o benefício recebido significativo
a cada membro. Para o autor, grupos grandes são mais susceptíveis a não
atingirem seus objetivos, isso se dá por ser o benefício diluído a tal ponto
que os custos da participação se excedem aos benefícios alcançados,
desestimulando o indivíduo.
Questões que
surgem a partir do Decreto 8.243/2014 em comparação com suas finalidades
- Fixadas essas premissas, o Decreto 8.243/2014 permitirá a participação popular na atividade executiva?
A resposta é negativa. Grupos de interesse se
formarão para viabilizar maior participação perante a administração pública
federal. Quanto menores os grupos, maiores os benefícios “per capita” obtidos.
Aqueles indivíduos que pretenderem obter benefícios
com o menor custo possível, não se associarão ou criarão novos conselhos,
aguardando no conforto de seus lares os benefícios advindos da atuação ativa
dos pequenos grupos (aplicação do custo de oportunidade).
Dessa forma, os lobbies de pequenos grupos serão a
verdadeira participação, o que já ocorre no presente momento.
- Caso os antigos ou novos conselhos não cumpram os parâmetros exigidos no art. 10 do Decreto 8.243/2014, serão aceitos como válidas a sua formação, participação ou opinião perante a administração pública federal?
Provavelmente os conselhos que não cumpram os
desígnios do art. 10 do Decreto 8.243/2014 não poderão atuar perante a
administração pública federal, em que pese isso não estar regulamentado na
referida norma. A pretensão do Decreto de participação popular ampla e
irrestrita não poderá imiscuir em critérios que tornam válidos ou não a
formação dos conselhos.
Trata-se de paradoxo no Decreto que o torna
incompatível com suas pretensões.
- Poderá o Governo Federal privilegiar algum(ns) conselhos em detrimento de outros?
Trata-se de hipótese presente no Decreto 8.243/2014.
Um dos métodos é criação de parcerias com a administração pública, com previsão
de transferência de recursos financeiros públicos para conselhos (§§ 4º e 5º,
art. 10), sem clarificar a forma de acesso a recursos.
Ademais, as mesas de diálogo terão diretrizes de
participação das chamadas “partes afetadas”, sem definir o que seriam “partes
afetadas”. De forma discricionária, em uma discussão pública poderá algum
conselho ser impedido de participar e se manifestar por não ser considerada
“parte afetada”? O Decreto 8.243/2014 não esclarece.
Tratando-se de temáticas públicas, “partes afetadas”
é toda a população. A norma limita a participação popular e novamente constitui
paradoxo.
Conclusão
O Decreto 8.243/2014, com pretensões de regular a
participação popular, define, fixa critérios e regramentos específicos. Ao
normatizar um ato político puro, e o faz mediante a linguagem, carrega o texto
com signos e significantes contextualizados nos interesses do regulamentador.
Se a participação popular é pressuposto de uma
democracia, e deve ser livre, a administração pública, ao fixar critérios e
definições, exclui, necessariamente, a grande parcela da população que não
cumpre com os desígnios normativos, impossibilitando de apresentar suas
pretensões tão válidas quanto a de qualquer conselho. Há na norma, portanto,
uma clara limitação da efetiva participação popular privilegiando pequenos
grupos que, em razão do “benefício x custo” se organizarão para constituírem
lobbies e eliminação de seus “concorrentes”. Coerente sua eliminação do mundo
jurídico conforme realizado há pouco pela Câmara dos Deputados, sendo
indiferente a análise ora realizada quanto as justificativas utilizadas pela
referida casa do Poder Legislativo.
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