Por Thiago Caldeira

O Brasil é um país
extremamente burocrático, formalista, legalista. Tudo precisa estar escrito em
normas, registrado em algum cartório, reconhecido oficialmente, mesmo que nada
seja respeitado. Vive-se no “cópia autenticada em cartório”, “firma
reconhecida”, “conforme Lei X, Portaria Y”. A ideia é que, quanto mais controle
e formalismo, mais os desvios serão evitados.
No entanto, a quantidade de
estelionatários e corrupção no nosso país mostra que todo esse sistema é
facilmente enganado. Na verdade, talvez o próprio sistema contribua para seu
fracasso, pois o foco da sociedade parece estar no controle dos meios e não dos
resultados: muito mais eficaz seria punir rapidamente quem falsifica uma
declaração prestada ao poder público do que tentar evitar de todos os meios a
falsificação. Ou seja, muito melhor seria trabalhar com os incentivos, e não
com controles.
Além de ser quase impossível impedir uma falsificação, o processo focado no controle dos meios aumenta assustadoramente a ineficiência do poder público. O ilustre administrativista Carlos Ari Sundfeld muito bem relata algumas consequências do foco em controle na gestão pública (texto “Chega de axé no direito administrativo”[1]).
Além de ser quase impossível impedir uma falsificação, o processo focado no controle dos meios aumenta assustadoramente a ineficiência do poder público. O ilustre administrativista Carlos Ari Sundfeld muito bem relata algumas consequências do foco em controle na gestão pública (texto “Chega de axé no direito administrativo”[1]).
É comum ouvirmos que essa
característica nacional é herança cultural dos portugueses. Pois bem, registro
aqui uma dose de contato que tive com nossa herança burocrática, ao tentar fazer
uma reserva em um restaurante em Lisboa, um dos mais famosos e tradicionais dessa
cidade. A burocracia foi surreal.
Primeiro, no site do
restaurante havia um link para "Reservas". Ao clicar você precisa preencher data
e horário da reserva e uma lista de informações pessoais, endereço residencial,
etc. Ao final, precisa digitar um código captcha que aparece no site (para
evitar que um sistema eletrônico e não um humano esteja fazendo a reserva) e
clicar em confirmar. Então, aparece um aviso falando que você receberá um
código por meio de um SMS que receberá no celular, sendo necessário digitar
esse código na tela aberta no site do restaurante. Feito isso, finalmente eu
achava que estava feita a reserva...mero engano. Ao entrar no meu email no dia
seguinte, vejo uma mensagem do restaurante, agradecendo a solicitação de
reserva e avisando que eu precisava responder o email para confirmar a reserva.
Eu então respondo o email afirmando com todas as letras “Confirmo a Reserva”.
Ufa, acabou? Não!!! Logo após enviar esse último email, recebo uma mensagem
enviada automaticamente pelo sistema do restaurante, avisando que “Devido ao
horário, nosso sistema administrativo de registro de reservas está encerrado”.
Inacreditável!
O brasileiro enfrenta
diariamente diversos processos kafkianos tão surreais como esse sistema de
reservas acima descrito. Um especial é de uma injustiça gritante: tirar
carteira de motorista.
Nos EUA, entre a decisão de
ter uma carteira de motorista e estar com ela em mãos, gasta-se em torno de 4
horas e 35 dólares (84 reais), com alguma variação a depender da unidade
federativa. O processo é simples: a pessoa vai em um local próprio do poder
público; avisa que quer participar do processo; é direcionado a um computador
onde faz o teste de legislação e perguntas de trânsito; ao final das perguntas
o computador informa a quantidade de acertos; sendo maior que o exigido, o
candidato faz um exame de vista no local e é direcionado a um pátio onde pega
um carro e dirige sob os olhares de um instrutor; não cometendo erros, está
aprovado e a carteira (pelo menos um provisória) é impressa imediatamente na
impressora do local. Tendo sido aprovado em todas as etapas, paga-se 35 dólares
(84 reais).
No Brasil, hoje não se gasta
menos de 1.500 reais para vencer todas as etapas minuciosamente feitas para
aborrecer o sujeito, entre as quais a mais surreal talvez seja a obrigação de
participar de aulas (pagas) sobre legislação de transito, direção defensiva,
meio ambiente, cidadania, primeiros socorros e mecânica básica (nada que um pdf
e um vídeo disponíveis gratuitamente no site do Detran já não resolva). Fora o
tempo de vida perdido, ausências no trabalho, férias comprometidas.
Isso tudo para garantir que
tenhamos bons motoristas e não haja acidentes nas estradas. Pena que os dados
estatísticos não se sensibilizam com controles burocráticos!
[1] Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/carlos-ari-sundfeld/chega-de-axe-no-direito-administrativo_b_5002254.html
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