quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Formalismo e Burocracia

Por Thiago Caldeira



O Brasil é um país extremamente burocrático, formalista, legalista. Tudo precisa estar escrito em normas, registrado em algum cartório, reconhecido oficialmente, mesmo que nada seja respeitado. Vive-se no “cópia autenticada em cartório”, “firma reconhecida”, “conforme Lei X, Portaria Y”. A ideia é que, quanto mais controle e formalismo, mais os desvios serão evitados.

No entanto, a quantidade de estelionatários e corrupção no nosso país mostra que todo esse sistema é facilmente enganado. Na verdade, talvez o próprio sistema contribua para seu fracasso, pois o foco da sociedade parece estar no controle dos meios e não dos resultados: muito mais eficaz seria punir rapidamente quem falsifica uma declaração prestada ao poder público do que tentar evitar de todos os meios a falsificação. Ou seja, muito melhor seria trabalhar com os incentivos, e não com controles. 

Além de ser quase impossível impedir uma falsificação, o processo focado no controle dos meios aumenta assustadoramente a ineficiência do poder público. O ilustre administrativista Carlos Ari Sundfeld muito bem relata algumas consequências do foco em controle na gestão pública (texto “Chega de axé no direito administrativo”[1]).

É comum ouvirmos que essa característica nacional é herança cultural dos portugueses. Pois bem, registro aqui uma dose de contato que tive com nossa herança burocrática, ao tentar fazer uma reserva em um restaurante em Lisboa, um dos mais famosos e tradicionais dessa cidade. A burocracia foi surreal.

Primeiro, no site do restaurante havia um link para "Reservas". Ao clicar você precisa preencher data e horário da reserva e uma lista de informações pessoais, endereço residencial, etc. Ao final, precisa digitar um código captcha que aparece no site (para evitar que um sistema eletrônico e não um humano esteja fazendo a reserva) e clicar em confirmar. Então, aparece um aviso falando que você receberá um código por meio de um SMS que receberá no celular, sendo necessário digitar esse código na tela aberta no site do restaurante. Feito isso, finalmente eu achava que estava feita a reserva...mero engano. Ao entrar no meu email no dia seguinte, vejo uma mensagem do restaurante, agradecendo a solicitação de reserva e avisando que eu precisava responder o email para confirmar a reserva. Eu então respondo o email afirmando com todas as letras “Confirmo a Reserva”. Ufa, acabou? Não!!! Logo após enviar esse último email, recebo uma mensagem enviada automaticamente pelo sistema do restaurante, avisando que “Devido ao horário, nosso sistema administrativo de registro de reservas está encerrado”. Inacreditável!

O brasileiro enfrenta diariamente diversos processos kafkianos tão surreais como esse sistema de reservas acima descrito. Um especial é de uma injustiça gritante: tirar carteira de motorista.

Nos EUA, entre a decisão de ter uma carteira de motorista e estar com ela em mãos, gasta-se em torno de 4 horas e 35 dólares (84 reais), com alguma variação a depender da unidade federativa. O processo é simples: a pessoa vai em um local próprio do poder público; avisa que quer participar do processo; é direcionado a um computador onde faz o teste de legislação e perguntas de trânsito; ao final das perguntas o computador informa a quantidade de acertos; sendo maior que o exigido, o candidato faz um exame de vista no local e é direcionado a um pátio onde pega um carro e dirige sob os olhares de um instrutor; não cometendo erros, está aprovado e a carteira (pelo menos um provisória) é impressa imediatamente na impressora do local. Tendo sido aprovado em todas as etapas, paga-se 35 dólares (84 reais).

No Brasil, hoje não se gasta menos de 1.500 reais para vencer todas as etapas minuciosamente feitas para aborrecer o sujeito, entre as quais a mais surreal talvez seja a obrigação de participar de aulas (pagas) sobre legislação de transito, direção defensiva, meio ambiente, cidadania, primeiros socorros e mecânica básica (nada que um pdf e um vídeo disponíveis gratuitamente no site do Detran já não resolva). Fora o tempo de vida perdido, ausências no trabalho, férias comprometidas.

Isso tudo para garantir que tenhamos bons motoristas e não haja acidentes nas estradas. Pena que os dados estatísticos não se sensibilizam com controles burocráticos!




[1] Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/carlos-ari-sundfeld/chega-de-axe-no-direito-administrativo_b_5002254.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário