Por Thiago Caldeira
Muito
se fala a respeito da necessidade de uma reforma tributária. Em vários
momentos, nos últimos 20 anos, o governo federal tentou capitanear uma ampla
reforma do sistema tributário, no sentido de torná-lo mais simples e mais
progressivo.
Quase
sempre as tentativas esbarraram no interesses dos diferentes entes federativos,
que impediam a conclusão dos trabalhos legislativos por receio de perda de
arrecadação ou perda de competência para legislar e gerir a arrecadação dos
tributos, em outras palavras, perda de poder e influência.
Nos
anos recentes, devido à constatação de que uma ampla reforma tributária exigiria
um enorme esforço de articulação política, o governo federal e o Congresso parecem
ter abandonado essa alternativa e optado por ações pontuais: isenta-se um setor
aqui, aprimora-se uma forma de arrecadação acolá...
No
meu entendimento, apesar da regressividade do sistema tributário ser uma
realidade e um mau a ser combatido, este não é o maior dos males causadores da
péssima distribuição de renda no país. Isso porque muito pior do que a
regressividade no sistema tributário é a regressividade na despesa pública, ou
seja, o gasto público direcionado a quem já está em nível de renda elevado para
os padrões brasileiros.
Sabe-se
que a progressividade é uma exigência imposta pelo princípio constitucional da
capacidade contributiva, segundo o qual o encargo tributário deve recair sobre
aquele com maior condição financeira para tal. O princípio da capacidade
contributiva pode ser satisfeito por meio de: i) alíquotas progressivas, em que maior a renda ou patrimônio do contribuinte maior seria a alíquota do tributo, ii)
alíquotas seletivas, ou seja, alíquotas maiores para produtos predominantemente
consumidos por ricos (produtos supérfluos, quase sempre); e iii) maior
tributação sobre a renda e patrimônio e menor tributação sobre o consumo.
Ocorre
que a aplicação do princípio da capacidade contributiva muitas vezes se choca
com outros princípios tributários, como o da praticidade e neutralidade, este último
entendido como a não interferência na otimização da alocação dos meios de
produção e das escolhas de consumo. Como exemplo de escolha pela praticidade,
cita-se que é muito mais fácil e menos burocrático arrecadar tributo sobre o
consumo de energia elétrica do que sobre a renda dos contribuintes.
Outro
exemplo de choque entre princípios é que a adoção de alíquotas seletivas, em
tese geradora de benefícios, pode causar diversas distorções no sistema de
preços, como aumentar o consumo de bens poluentes ou bens de produção
ineficiente, soterrando a desejada neutralidade tributária.
Também,
ao se utilizar alíquotas progressivas exageradas sobre a renda e patrimônio,
viola-se a neutralidade tributária devido a um possível desincentivo ao
investimento e ao trabalho. Além disso, aumenta o incentivo para fuga de
capitais para outro país e aumento da sonegação.
Tais
exemplos explicam, em parte, o fato do sistema tributário brasileiro como um
todo ser regressivo, ou seja, tributar proporcionalmente mais os pobres do que os ricos.
Diversas
ações pontuais poderiam reduzir a regressividade, por exemplo, tornar o ITCMD,
que incide sobre doação e herança, progressivo (alíquotas maiores para faixas
de herança e doação maiores), ainda que haja problemas de praticidade e
neutralidade.
Minha
crítica, no entanto, reside principalmente na injustiça do gasto público que
ocorre em políticas supostamente “universais” e “sociais”. Diversos programas
ditos sociais, bem intencionados, acabam por aumentar a desigualdade de renda,
na medida em que os beneficiados estão em uma faixa de renda mais favorecida. Exemplos:
a) O
custo anual com os subsídios dados pelo BNDES a empresários escolhidos já
corresponde ao custo do programa Bolsa Família (este sim um programa social
“progressivo”, pois focado nos pobres), de aproximadamente R$30 bilhões;
b) Os
subsídios indiretos atualmente dados ao consumo de energia elétrica e ao
consumo de gasolina, que beneficia tanto pobres quantos ricos, mas mais
intensamente aos ricos, pois estes consomem mais gasolina e energia elétrica
que os pobres. Além de diversos outros subsídios para produtores (de café,
etanol, etc) e para o consumo de diversos bens e serviços (o mais recente,
sobre a passagem aérea);
c) Os
gastos com ensino nas universidades públicas, onde a maior parte dos alunos são
classe média alta[1]
e classe alta[2]
(bem-vindas as cotas para provenientes de famílias de baixa renda);
d) O
sistema de pagamentos de pensões por morte, em que a dependência é presumida.
Nesse caso, o cônjuge recebe por toda a vida mesmo que seja uma pessoa
riquíssima, independentemente da idade, tempo de contribuição e tempo de união.
Para
piorar, a atividade de arrecadar e gastar mal ainda carrega o custo burocrático
de toda uma gama de serviços administrativos (fiscalização do gasto, custo com
professores e manutenção nas universidades, etc), nos quais é certo que alguma parte
dos recursos se perde no caminho via ineficiência e corrupção.
Não
é por acidente que, mesmo com uma carga tributária entre as maiores do mundo,
somos um dos países mais desiguais.
O
gráfico abaixo, apresentado em artigo no Valor Econômico, é mais um exemplo de
como nosso sistema de arrecadação/gasto é pouco progressivo. A redução do índice
de desigualdade (Índice de Gini) em função da tributação mais transferências de
recursos é menor que 10 pontos percentuais no Brasil, enquanto países de carga
tributária semelhante (Reino Unido, por exemplo) conseguem reduzir em torno de
20 pontos percentuais.
Assim,
minha opinião é que, dada a complexidade e empecilhos de reformar o sistema tributário
para torná-lo mais progressivo, principalmente reformar as regras de
competência tributária, mais urgente seria tornar o gasto público mais
direcionado para quem realmente precisa dele.
[1] Para quem não sabe se é classe média
ou classe média alta, saiba que com uma renda acima de 5 salários mínimos
(R$3.625) você já estará entre os 9% mais ricos do país.
http://mansueto.wordpress.com/2013/12/29/nos-somos-a-elite/
[2] Para a distribuição dos alunos de
universidade pública por renda:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-71402012000100005&script=sci_arttext#2a
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