Por Jamir
Calili Ribeiro
No dia 29 de agosto, o nosso colunista
Fabrício criticou a decisão do STF sobre o caso Nata Donadom e concluiu que a
perda do mandato parlamentar deveria ser automática no caso de condenação
judicial transitada em julgado. (Clique aqui para ler o comentário dele).

Não me parece, porém, a melhor
interpretação, diante da clara escolha constitucional de privilegiar a separação dos poderes, estabelecendo que a condenação de um deputado ou senador só pode gerar a cassação dos
mandatos se aprovada pela casa legislativa respectiva.
Se o texto constitucional é ruim, ou
se não vivemos tempos de perseguição entre poderes, isso é outra história, a
qual o STF não poderia se esmiuçar, já que não é o seu papel discutir questões
políticas nessa profundidade.
Ora, entender que o STF deve
fazer justiça a qualquer custo equivale a atribuir a ele um papel de déspota
esclarecido. O texto constitucional é claro em afirmar que na hipótese de
sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado será a casa
respectiva, em voto secreto e por maioria absoluta, que decidirá sobre a perda
do mandato. É regra especial, e pela sistemática de resolução de antinomias jurídicas,
regra especial derroga regra geral. Caso contrário, deveríamos entender que a
regra constitucional, prevista no § 2º, do art. 55, é vazia; e não existem
textos vazios na Constituição.
Pode não ser a interpretação que
queremos fazer, ou a que não concordamos, mas é a interpretação possível, e clara no texto constitucional. Como disse o Ministro Barroso em liminar
concedida no MS 32326, o texto estabelece um limite mínimo e máximo de
interpretação (Clique aqui para ler o conteúdo da liminar).
Bem, para que o leitor possa
entender, essa sistemática tem a seguinte razão: preserva a autonomia dos
poderes, e faz com eles sejam responsáveis pelos seus membros. Faz sentido e é
uma interpretação inclusive razoável a ser realizada do Estado Constitucional
Brasileiro.
As pressões políticas nesse caso
devem recair sobre a casa legislativa, que não exerceu sua função corretamente,
e não sobre o judiciário, que nada poderá fazer nesse caso, além do que já fez.
A questão é que nossa preguiça política faz com que direcionemos nossas forças
ao órgão mais concentrado da República, quando nossa insatisfação deveria
recair sobre nossos representantes.
Parece-me que é esse o entendimento
correto, ainda que adotado pelo STF por maioria apertada. Além disso, o STF, de
forma injusta, está direcionado a aplicar entendimento diverso no caso do
Mensalão.
O mais curioso, porém, de toda essa
trapalhada, da engenhosa e aberrante estrutura constitucional brasileira, foi a
saída mirabolante realizada por Barroso. Admite que Donatan tenha seus direitos
políticos automaticamente cassados pela mesa da câmara porque, sendo sua
condenação em regime fechado superior ao que lhe resta de mandato, deve incidir
a regra cumulada do art. 55, III e 56, II da Constituição, em que “seria
possível cogitar da perda automática de mandato em todos os casos de prisão em
regime fechado cujo prazo ultrapassar um terço das sessões ordinárias ou, no
máximo, cento e vinte dias” (BARROSO).
Assim, BARROSO cria a sentença que
antecipa eventos futuros. Explico-me: como Barroso acha que todos os condenados
em regime fechado ao tempo que lhe resta de mandato não poderão nunca
comparecer às sessões parlamentares, logo, deve-se entender que o futuro
chegou, e aplicar a sanção do artigo 55, III em perspectiva. É como um processo
de falência em que se entende vencidas todas as dívidas dos credores, de
modo antecipado.
O argumento de BARROSO cai por terra
por um simples argumento, também em perspectiva: a qualquer tempo ele poderá provar sua inocência e, se assim
o fizer, por provas robustas e inequívocas, deverá ter sua sentença criminal
cassada, pois a condenação não faz coisa julgada material de forma absoluta.
No
ordenamento jurídico processual a sentença é ato que retroage à data dos fatos
controversos. Com a possibilidade de modulação de efeitos criou-se a sentença
que só se aplica a partir da sua promulgação, aceitável para assegurar
estabilidade social, se favorável aos cidadãos. Agora, há um terceiro efeito
possível no tempo, a sentença que antecipa o futuro, e julga com o cenário hipotético.
Esse
é só um argumento, pois, como bem disse meu colega Mestre e Doutorando Gustavo
Hermont, no curso de doutoramento da PUC Minas, os direitos políticos do deputado
estão por si só suspensos, logo, não se poderia falar em falta, já que ele não
poderá comparecer, mesmo que tivesse sido condenado ao regime aberto.
Ademais,
adotar a regra das faltas e da suspensão é adotar antibiótico para resfriado.
O
contorcionismo de Barroso, só demonstra uma coisa: a vontade de fazer justiça a
qualquer custo dentro do que ele chamou de gravidade moral e institucional.
Dentre todas as soluções é a pior, pois esconde uma vontade de fazer justiça
com aspectos de legalidade.
Não
que eu ache que um destes malandros da política tenha que ter alguma regalia, a
questão aqui é jurídica. Acho que no campo da política o Congresso agiu mal, pois deveria assumir a responsabilidade, e as pressões sociais recaírem sobre quem deveria
agir.
Mas
ao resolver a parada a qualquer custo, o STF mais uma vez imbeciliza a
sociedade brasileira, e como um pai que sempre segura a bicicleta para o filho
não cair, não nos deixa aprender a andar com nossas próprias pernas.
Se
não pudesse defender este entendimento, dentre as correntes que podem ser
adotadas para solucionar o caso, eu preferiria ficar com a defendida pelo
Fabrício, pois pelo menos ela se utiliza de argumentos sistematicamente mais
corretos do que a do Ministro.
O texto é muito bom. Você contextualiza o problema, apresenta soluções e responde às questões que apresenta.
ResponderExcluirQuando o legislador constituinte determina que os incisos I, II e VI do artigo 55 da CR/1988 serão as hipóteses em que a perda do mandato do deputado ou senador será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa, seria possível a seguinte interpretação?
O artigo 15 da Constituição prevê as únicas hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos. Contudo, a perda do mandato será automática para os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos, exceto para os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos em virtude de descumprimento de qualquer das proibições estabelecidas no artigo 54, de procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar e de condenação criminal em sentença transitada em julgado (artigo 55, CR/1988).
Você responde: "[...] É regra especial, e pela sistemática de resolução de antinomias jurídicas, regra especial derroga regra geral. Caso contrário, deveríamos entender que a regra constitucional, prevista no § 2º, do art. 55, é vazia; e não existem textos vazios na Constituição".
http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2013/12/ccj-da-camara-aprova-pedido-de-cassacao-de-natan-donadon
ResponderExcluirA Emenda Constitucional nº 76, de 2013 altera o parágrafo 2º do artigo 55 da CR/1988 para abolir a votação secreta nos casos de perda de mandato de Deputado ou Senador.
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