quinta-feira, 29 de agosto de 2013

CASO NATAN DONADON: CONDENAÇÃO CRIMINAL E PERDA DOS DIREITOS POLÍTICOS – EFEITOS IMEDIATOS?


POR FABRÍCIO COSTA RESENDE DE CAMPOS


O Supremo Tribunal Federal, em modificação ao seu entendimento anterior, entendeu que não haveria a perda imediata de mandato político em caso de condenação penal. A mudança de paradigma se deu no bojo da ação penal relativa ao parlamentar Ivo Cassol, condenado a 4 anos e 8 meses de prisão.

Em 2012, o STF firmou o entendimento de que a condenação penal transitada em julgado implicaria na perda imediata do mandato político. A nova configuração da casa (com a entrada dos Ministros Teori Zavascki e Luis Roberto Barroso) culminou no entendimento pela maioria de que a Câmara dos Deputados ou Senado Federal deverão, por votação secreta e maioria absoluta, decidir pela cassação.

Com a nova definição do STF ao tema, a Câmara dos Deputados, em análise à cassação do Deputado Federal Natan Donadon, manteve o mandato do político. A Câmara registrou apenas 233 votos pela cassação (24 a menos do que o mínimo necessário), contra 131 pela absolvição e 41 abstenções. A decisão foi duramente criticada pela população e meios da imprensa.

A crítica sem base teórica não é suficiente. Para análise do acerto ou erro na decisão do STF, transcrevemos os arts. 15 e 55 da Constituição da República de 1988:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
(...)
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Interessante notar que o art. 15 da CR/88 determina que haverá a perda ou a suspensão dos direitos políticos em caso de “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”. O art. 55 da CR/88, por sua vez, estipula que perderá o mandato político o Deputado Federal ou o Senador “que perder ou tiver suspensos os direitos políticos” (inciso IV), ou “que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado” (inciso VI). Apenas no caso do inciso VI, do art. 55 da CR/88 (condenação criminal transitada em julgado), há determinação expressa para que a cassação se dê mediante voto secreto no plenário da casa pela maioria absoluta. Quanto ao inciso IV, do art. 55 da CR/88, permanece silente o procedimento a ser adotado, o que é interpretado como perda imediata do mandato político.

Duas interpretações possíveis:

1ª) Entendimento anterior do STF
condenação criminal transitada em julgado → perda ou suspensão dos direitos políticos (situação prevista no inciso III, do art. 15 da CR/88) → perda automática do mandato (situação prevista no inciso IV, do art. 55 da CR/88)

2ª) Entendimento atual do STF
condenação criminal transitada em julgado → perda ou suspensão dos direitos políticos (situação prevista no inciso III, do art. 15 da CR/88) → desconsideração da situação prevista no inciso IV, do art. 55 da CR/88 → cassação do mandato pelo plenário por maioria absoluta em voto secreto (situação prevista no inciso VI, do art. 55 da CR/88, com o procedimento previsto no §2º, art. 55 da CR/88)

Não nos parece válida a argumentação jurídica atual construída pelo STF, em razão da sequência óbvia e intransponível de fatos jurídicos. O entendimento atual do STF afronta o princípio lógico espelhado na Navalha de Ockham:

"Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenômeno, a mais simples é a melhor"

Para que se suponha válida a interpretação atual do tema levada a efeito pelo STF, o Tribunal deve desconsiderar a perda ou suspensão dos direitos políticos previamente, para que somente assim o político condenado possa incorrer no inciso VI, do art. 55 da CR/88 e lhe ser aplicável o procedimento do §2º do mesmo dispositivo legal. Ou seja, o STF, para manutenção de sua atual interpretação torna sem efeito não apenas um dispositivo constitucional, mas dois: o inciso III, do art. 15 c/c inciso IV, do art. 55 da CR/88.

Os eventos jurídico se seguem cronologicamente conforme demonstrado na primeira hipótese interpretativa, culminando de forma irredutível na perda automática do mandato pelo político condenado criminalmente com trânsito em julgado da decisão.

Um comentário:

  1. Fabrício,

    Concordo com sua colocação, realmente o entendimento manifestado pelo STF foi, s.m.j., equivocado, bem como fatídico o resultado da votação do congresso. Fatídico, mas não inesperado.
    Acho preocupante o fato do brasileiro já não se assustar com situações absurdas e esdrúxulas como esta, em que um cidadão criminoso, com decisão transitada em julgado, não perde o seu mandato imediatamente.

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