POR THIAGO COSTA M.
CALDEIRA
Temos observado nos
últimos meses atitudes incoerentes dos governos federal e diversos estaduais e
municipais, relacionadas à execução concomitante de duas ações contraditórias:
i) ao mesmo tempo em que se faz esforço de atração de recursos de investidores
privados para a precária infraestrutura existente; ii) sinaliza-se repulsa ao
capital privado, por meio de maior intervencionismo e comportamento oportunista.
A falta de definição clara
por parte dos governos pode ser reflexo de uma sociedade ainda dividida sobre
qual modelo adotar, saudosa dos tempos de maior paternalismo estatal na
economia. Argumenta-se aqui a respeito dos problemas da ausência de uma clara definição
do caminho escolhido.
Desde as privatizações
empreendidas no governo Collor (VASP, CSN, Usiminas, petroquímicas, produtoras
de celulose e de fertilizantes, etc), passando pela reforma administrativa
do Estado em meados da década de 90, e no reconhecimento pelo partido
de esquerda eleito em 2002 de que há limitação orçamentária não somente para as
pessoas, mas também para o poder público, tem se buscado o apoio do capital
privado para os mais diversos setores da economia até então fechados no monopólio
público (a Carta ao Povo Brasileiro, anunciada pelo PT em junho de 2002,
reconhece o respeito aos contratos e a necessidade de equilíbrio fiscal como
bases da economia capitalista a ser preservada).
Inicialmente, a pauta de
privatizações focou na transferência em definitivo de ativos, a partir do
entendimento de que não havia razão econômica e estratégica suficientes para
manter a propriedade estatal, o que foi o caso da Usiminas, Embraer, Vale,
bancos estaduais, etc. Em seguida, o avanço privado se deu com a abertura de
setores (quebra do monopólio público) antes fechados total ou parcialmente à
propriedade privada e por meio de concessão da prestação do serviço público até
então realizado por alguma empresa pública. Para esses casos, se aplica o que foi
visto em petróleo e gás, energia elétrica, telecomunicações, rodovias e mais
recentemente portos e aeroportos.
Ressalta-se que o modelo
adotado pelos governos do PT, baseado na diminuição do Estado via
concessão e não na privatização stricto sensu, pouco se diferencia do
governo anterior, isso porque uma concessão de 30 anos, por exemplo, tem prazo
próximo da vida útil média de um ativo nos setores de infraestrutura, e em
certos casos ultrapassa a vida útil, como em telecomunicações. Nesse sentido, a
concessão, ainda que não dê a plenitude jurídica do direito de propriedade
sobre o ativo e esteja imbuída de um aparato regulatório
diferenciado, muito se aproxima da privatização. Ademais, mesmo no caso das
privatizações, é possível impor exigências que de certa forma limitam o direito
de propriedade durante a existência da empresa, como o poder extraordinário de
veto definido para a participação minoritária do governo na privatização da
Embraer, assim como a regulação ambiental e tributária especial imposta às
empresas mineradoras.
Voltando ao ponto central
do artigo, o governo federal e boa parte dos estados têm buscado atrair
capital privado para as concessões com o critério de leilão pela menor tarifa
ou com maior oferta de renda ao Estado. Ocorre que, em razão dessas concessões
serem intensivas em capital, ou seja, a maior parte do
custo é função direta do custo do investimento, quanto maior o custo
do dinheiro (a taxa de juros), maior será a tarifa (ou menor a renda do governo
no caso do outro formato do leilão). Assim, uma das principais formas de o
Estado reduzir a tarifa dos usuários seria reduzir o risco do investimento,
induzindo os investidores a aceitarem, e ofertarem no leilão, uma taxa de
retorno menor.
Desde 2002 a atual gestão
vem tendo sucesso nessa redução de risco, e, portanto, da taxa de retorno
exigida, conforme se constata nos elevados deságios nas tarifas (ou ágio sobre
a renda mínima a ser paga) nas concessões do setor elétrico (transmissão e
geração), rodovias, áreas de exploração de petróleo (interrompidas em 2008 com
a descoberta do pré-sal e retomadas este ano) e aeroportos (Guarulhos,
Viracopos e Brasília). Ressalta-se a presença relevante de empresas de origens
tão diversas como Colômbia (transmissão de energia elétrica), Argentina (aeroportos
e geração eólica), Espanha (energia elétrica, rodovias, telecomunicações),
Noruega (petróleo e gás), China (transmissão de energia elétrica, petróleo e
gás), Itália (telecomunicações), África do Sul (aeroportos), entre outros.
Aqui se encaixa a justificativa
de existência das agências reguladoras, que não somente objetivam a proteção do
usuário do serviço público contra abuso de poder do concessionário, mas também
visam a garantir o cumprimento das regras pactuadas no contrato de concessão,
cujo prazo perpassará diferentes governos. O respeito aos contratos e conquista
de credibilidade é o que justifica, por exemplo, a atual taxa de juros de longo
prazo paga pelo Japão ser de 0,66% ao ano, enquanto a Argentina só encontra
alguém disposto a financiá-la por mais de 33% ao ano, ainda que o
primeiro tenha percentual de endividamento/PIB mais de 4 vezes o segundo.
O argumento de que o custo
do dinheiro do Estado é zero, o que levaria a concluir que a estatização
reduziria a tarifa, não me parece adequado, pois, se há limitação orçamentária,
significa que o dinheiro será retirado de outra finalidade, como, por
exemplo, segurança pública, e dificilmente poderíamos admitir que o retorno do
dinheiro aplicado em segurança pública é zero.
A outra face do governo,
aquela que acena para o descumprimento de contratos e promete à população o
inviável, foi demonstrada nas atitudes em face dos protestos que tomaram conta
das ruas nos últimos meses, iniciados a partir de uma manifestação contra o
aumento das tarifas de ônibus. Em vez de enfrentar o problema com melhor
informação, melhora da qualidade do serviço, ampliação dos investimentos com
capital público ou privado, buscou-se simplesmente congelar ou reduzir as
tarifas. Uma resposta simples, fácil e errada!
Como esperado, a multidão
não se deu por satisfeita e, ainda que o motivo dos protestos não seja único
nem claramente definido, uma resposta parece unânime, não foi por apenas 20
centavos.
A atitude assustada dos
governos municipal e estadual de São Paulo se estendeu a outros setores,
refletindo no congelamento de pedágios de rodovias e na tarifa do
metrô de São Paulo e no pedido da estatal de energia elétrica do
Estado do Paraná, Copel (sociedade de economia mista com ações negociadas em
Bolsa), de postergar para o ano seguinte o reajuste tarifário previsto em
contrato e calculado pela agência reguladora. Em levantamento da Folha de São
Paulo realizado em 90 municípios, capitais e outros com mais de 200 mil
habitantes, em 59 municípios o valor das passagens de ônibus foi reduzido
e, em 12, foram congelados possíveis aumentos. Pouco se sabe em que
condições isso foi realizado.
Posteriormente, antevendo
que as decisões acima descritas poderiam prejudicar o resultado de importantes
leilões de infraestrutura programados ainda para 2013, com a ausência de
candidatos ou baixa concorrência, e sabendo dos litígios judiciais a se
formarem, tratou-se de garantir aos concessionários que a não aplicação das
regras previstas em contrato teriam o ônus assumido pelo próprio Estado. Ou
seja, tratou-se de reafirmar o valor da segurança jurídica nos contratos de
concessão.
Assim, no caso das tarifas
de ônibus de São Paulo, fala-se em aporte direto de recursos do Estado para as
empresas de ônibus. No caso dos pedágios, é ilustrativo o relatório emitido
pelo banco Morgan Stanley, no qual se afirma que, após encontro com
representantes do governo federal e estadual em Conferência com investidores
ocorrida em julho, há “confiança de que os
contratos de rodovias serão respeitados e as concessionárias totalmente
compensadas pela suspensão dos pedágios.” (tradução nossa), por meio de
redução de encargos, extensão do prazo das concessões ou até mesmo com redução
dos investimentos.
O cientista político
poderia nos esclarecer que a contradição é apenas uma tática de perpetuação no
poder, na linha do que dizia Perón acerca de como governar: "É como dirigir um
carro, é só dar a seta para a esquerda e depois virar à direita". No
entanto, indicar um caminho e seguir outro traz um custo real para a população,
não apenas em termos de prejuízo à moral pública e à construção de entendimento
da realidade, mas também em enfraquecimento das instituições e perda de
credibilidade.
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