quarta-feira, 17 de julho de 2013

Prestação de serviços públicos e capital privado: para onde vamos?

POR THIAGO COSTA M. CALDEIRA

Temos observado nos últimos meses atitudes incoerentes dos governos federal e diversos estaduais e municipais, relacionadas à execução concomitante de duas ações contraditórias: i) ao mesmo tempo em que se faz esforço de atração de recursos de investidores privados para a precária infraestrutura existente; ii) sinaliza-se repulsa ao capital privado, por meio de maior intervencionismo e comportamento oportunista.

A falta de definição clara por parte dos governos pode ser reflexo de uma sociedade ainda dividida sobre qual modelo adotar, saudosa dos tempos de maior paternalismo estatal na economia. Argumenta-se aqui a respeito dos problemas da ausência de uma clara definição do caminho escolhido. 

Desde as privatizações empreendidas no governo Collor (VASP, CSN, Usiminas, petroquímicas, produtoras de celulose e de fertilizantes, etc), passando pela reforma administrativa do Estado em meados da década de 90, e no reconhecimento pelo partido de esquerda eleito em 2002 de que há limitação orçamentária não somente para as pessoas, mas também para o poder público, tem se buscado o apoio do capital privado para os mais diversos setores da economia até então fechados no monopólio público (a Carta ao Povo Brasileiro, anunciada pelo PT em junho de 2002, reconhece o respeito aos contratos e a necessidade de equilíbrio fiscal como bases da economia capitalista a ser preservada).

Inicialmente, a pauta de privatizações focou na transferência em definitivo de ativos, a partir do entendimento de que não havia razão econômica e estratégica suficientes para manter a propriedade estatal, o que foi o caso da Usiminas, Embraer, Vale, bancos estaduais, etc. Em seguida, o avanço privado se deu com a abertura de setores (quebra do monopólio público) antes fechados total ou parcialmente à propriedade privada e por meio de concessão da prestação do serviço público até então realizado por alguma empresa pública. Para esses casos, se aplica o que foi visto em petróleo e gás, energia elétrica, telecomunicações, rodovias e mais recentemente portos e aeroportos.

Ressalta-se que o modelo adotado pelos governos do PT, baseado na diminuição do Estado via concessão e não na privatização stricto sensu, pouco se diferencia do governo anterior, isso porque uma concessão de 30 anos, por exemplo, tem prazo próximo da vida útil média de um ativo nos setores de infraestrutura, e em certos casos ultrapassa a vida útil, como em telecomunicações. Nesse sentido, a concessão, ainda que não dê a plenitude jurídica do direito de propriedade sobre o ativo e esteja imbuída de um aparato regulatório diferenciado, muito se aproxima da privatização. Ademais, mesmo no caso das privatizações, é possível impor exigências que de certa forma limitam o direito de propriedade durante a existência da empresa, como o poder extraordinário de veto definido para a participação minoritária do governo na privatização da Embraer, assim como a regulação ambiental e tributária especial imposta às empresas mineradoras.

Voltando ao ponto central do artigo, o governo federal e boa parte dos estados têm buscado atrair capital privado para as concessões com o critério de leilão pela menor tarifa ou com maior oferta de renda ao Estado. Ocorre que, em razão dessas concessões serem intensivas em capital, ou seja, a maior parte do custo é função direta do custo do investimento, quanto maior o custo do dinheiro (a taxa de juros), maior será a tarifa (ou menor a renda do governo no caso do outro formato do leilão). Assim, uma das principais formas de o Estado reduzir a tarifa dos usuários seria reduzir o risco do investimento, induzindo os investidores a aceitarem, e ofertarem no leilão, uma taxa de retorno menor.

Desde 2002 a atual gestão vem tendo sucesso nessa redução de risco, e, portanto, da taxa de retorno exigida, conforme se constata nos elevados deságios nas tarifas (ou ágio sobre a renda mínima a ser paga) nas concessões do setor elétrico (transmissão e geração), rodovias, áreas de exploração de petróleo (interrompidas em 2008 com a descoberta do pré-sal e retomadas este ano) e aeroportos (Guarulhos, Viracopos e Brasília). Ressalta-se a presença relevante de empresas de origens tão diversas como Colômbia (transmissão de energia elétrica), Argentina (aeroportos e geração eólica), Espanha (energia elétrica, rodovias, telecomunicações), Noruega (petróleo e gás), China (transmissão de energia elétrica, petróleo e gás), Itália (telecomunicações), África do Sul (aeroportos), entre outros.

Aqui se encaixa a justificativa de existência das agências reguladoras, que não somente objetivam a proteção do usuário do serviço público contra abuso de poder do concessionário, mas também visam a garantir o cumprimento das regras pactuadas no contrato de concessão, cujo prazo perpassará diferentes governos. O respeito aos contratos e conquista de credibilidade é o que justifica, por exemplo, a atual taxa de juros de longo prazo paga pelo Japão ser de 0,66% ao ano, enquanto a Argentina só encontra alguém disposto a financiá-la por mais de 33% ao ano, ainda que o primeiro tenha percentual de endividamento/PIB mais de 4 vezes o segundo.

O argumento de que o custo do dinheiro do Estado é zero, o que levaria a concluir que a estatização reduziria a tarifa, não me parece adequado, pois, se há limitação orçamentária, significa que o dinheiro será retirado de outra finalidade, como, por exemplo, segurança pública, e dificilmente poderíamos admitir que o retorno do dinheiro aplicado em segurança pública é zero. 

A outra face do governo, aquela que acena para o descumprimento de contratos e promete à população o inviável, foi demonstrada nas atitudes em face dos protestos que tomaram conta das ruas nos últimos meses, iniciados a partir de uma manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus. Em vez de enfrentar o problema com melhor informação, melhora da qualidade do serviço, ampliação dos investimentos com capital público ou privado, buscou-se simplesmente congelar ou reduzir as tarifas. Uma resposta simples, fácil e errada!

Como esperado, a multidão não se deu por satisfeita e, ainda que o motivo dos protestos não seja único nem claramente definido, uma resposta parece unânime, não foi por apenas 20 centavos.

A atitude assustada dos governos municipal e estadual de São Paulo se estendeu a outros setores, refletindo no congelamento de pedágios de rodovias e na tarifa do metrô de São Paulo e no pedido da estatal de energia elétrica do Estado do Paraná, Copel (sociedade de economia mista com ações negociadas em Bolsa), de postergar para o ano seguinte o reajuste tarifário previsto em contrato e calculado pela agência reguladora. Em levantamento da Folha de São Paulo realizado em 90 municípios, capitais e outros com mais de 200 mil habitantes, em 59 municípios o valor das passagens de ônibus foi reduzido e, em 12, foram congelados possíveis aumentos. Pouco se sabe em que condições isso foi realizado.

Posteriormente, antevendo que as decisões acima descritas poderiam prejudicar o resultado de importantes leilões de infraestrutura programados ainda para 2013, com a ausência de candidatos ou baixa concorrência, e sabendo dos litígios judiciais a se formarem, tratou-se de garantir aos concessionários que a não aplicação das regras previstas em contrato teriam o ônus assumido pelo próprio Estado. Ou seja, tratou-se de reafirmar o valor da segurança jurídica nos contratos de concessão.

Assim, no caso das tarifas de ônibus de São Paulo, fala-se em aporte direto de recursos do Estado para as empresas de ônibus. No caso dos pedágios, é ilustrativo o relatório emitido pelo banco Morgan Stanley, no qual se afirma que, após encontro com representantes do governo federal e estadual em Conferência com investidores ocorrida em julho, há “confiança de que os contratos de rodovias serão respeitados e as concessionárias totalmente compensadas pela suspensão dos pedágios.” (tradução nossa), por meio de redução de encargos, extensão do prazo das concessões ou até mesmo com redução dos investimentos. 

O cientista político poderia nos esclarecer que a contradição é apenas uma tática de perpetuação no poder, na linha do que dizia Perón acerca de como governar: "É como dirigir um carro, é só dar a seta para a esquerda e depois virar à direita". No entanto, indicar um caminho e seguir outro traz um custo real para a população, não apenas em termos de prejuízo à moral pública e à construção de entendimento da realidade, mas também em enfraquecimento das instituições e perda de credibilidade.

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